- Por Luiza Abdo -
Nos últimos anos, diversas imunoterapias têm tomado espaço no tratamento contra o câncer. Os tumores, auxiliados pelos seus microambientes, possuem a capacidade de se tornarem pouco visíveis para as células de defesa ou até mesmo de recrutarem subtipos celulares capazes de “proteger” o tumor do ataque do sistema imune. Há diferentes ramos dentro da imunoterapia para tumores, dentre os quais podemos citar: a transferências adotivas de células, o bloqueio de checkpoints imunológicos, os vírus oncolíticos, a vacinação com antígenos tumorais, além de outras estratégias menos maduras em termos de desenvolvimento. Contudo, todas as terapias apontam para mesma direção: induzir o sistema imunológico do próprio paciente a lutar contra o tumor.
Como já bem descrito, algumas neoplasias com cargas mutacionais altas têm maior capacidade de gerar neo-antígenos (substâncias reconhecidas pelo sistema imune adaptativo). Hoje, com identificação desses neo-antígenos, é possível criar uma vacina e induzir células do sistema imune a combater o tumor. No entanto, um dos mecanismos de escape do tumor é a diminuição da expressão da molécula de MHC (major histocompatibility complex). A molécula do MHC é fundamental na resposta antitumoral, uma vez que os peptídeos derivados dos antígenos tumorais devem estar ligados ao MHC para serem reconhecidos pelos linfócitos T. Desta forma, tumores com baixa expressão de MHC são considerados pouco detectáveis por esta classe de linfócitos.
Tendo isso em vista, Garrido e colaboradores demonstram recentemente que, mesmo com a diminuição na expressão do MHC de classe I, existem ainda algumas moléculas que conseguem apresentar antígenos na superfície celular utilizando uma via alternativa, e que esses neo-antígenos apresentados sempre são os mesmos, os já conhecidos e denominados TEIPP (T-cell epitopes associated with impaired peptide processing). Um dos mecanismos utilizados por tumores para interferir na via do MHC de classe I é a diminuição na expressão TAP 1 e/ou 2. A TAP é o heterodímero responsável por transferir peptídeos do citoplasma para o interior do retículo endoplasmático, onde ocorre a montagem do MHC classe I e o posterior carregamento destes peptídeos. Portanto, com a diminuição na expressão de TAP, as proteínas das quais são derivados os TEIPP serão sempre apresentadas e forma padronizada, em diversos tipos celulares distintos. Acredita-se que esses peptídeos apresentados sejam derivados de proteínas housekeeping e não são apresentados por células normais. Contudo, com a desregulação de TAP, vias alternativas para o MHC podem ajudar a carrear os TEIPP para a membrana celular
O trabalho propõe, portanto, induzir a apresentação de TEIPP tanto no tumor quanto nas células dendríticas, lançando mão de uma estratégia simples de vacinação.
O grupo utiliza um RNA de transferência (siRNA) cujo alvo é o RNA mensageiro da TAP. Este siRNA está ligado a CpG oligonucleotídeos que são reconhecidos pelo receptor TLR-9 (presentes, dentre outras células, em células B e dendríticas), capaz de induzir de forma específica a internalização do siRNA para TAP e, consequentemente, a diminuição da expressão da proteína TAP em células dendríticas. Com o mesmo propósito, utiliza-se Nucl-TAP siRNA para as células tumorais. Nucl é um aptâmero de ligação à nucleolina, que já é conhecida por seus altos níveis de expressão na superfície de células tumorais e não em células normais . A vacinação com ambos siRNA é capaz de induzir as células dendríticas a apresentarem os TEIPP, que são encontrados no tumor devido à desregulação de TAP, mas estão ausentes nos tecidos não tumorais.
A figura mostra de forma resumida o processo bem conhecido de apresentação de peptídeo via MHC I. Proteínas presentes no citoplasma das células são processadas pelo proteassoma. Após o processamento, peptídeos derivados destas proteínas são importados para o retículo endoplasmático via TAP1/2 para posterior carregamento nas moléculas de MHC de classe I. Este complexo de peptídeo+MHC está agora apto a ser transportado para a membrana celular, onde interagirão com receptores de células T (TCRs). Células deficientes em TAP1 ou TAP2 não são capazes de internalizar peptídeos para o retículo e, por consequência, sofrem uma drástica diminuição na densidade de moléculas de MCH I na superfície da célula. Contudo, estudos demonstraram que as poucas moléculas de MCH I expressas em células deficientes de TAP, carreiam o mesmo padrão de peptídeos, denominados TEIPP6. Esta predominância dos TEIPP nos MHCs de classe I da superfície de células que tem deficiência na expressão de TAP representa um diferencial dos tumores e poderia, portanto, ser explorado terapeuticamente.
Existem algumas vantagens na utilização deste tipo de neo-antígeno: pode ser utilizado em diferentes tipos de tumor (foram utilizados como modelos no estudo tumores de pâncreas, mama e fibrosarcoma induzido por carcinógeno); também em tumores metastáticos e até mesmo quando há heterogeneidade tumoral, pois os antígenos apresentados e reconhecidos serão os mesmos TEIPP. A vacinação com os siRNA para TAP não apresentou toxicidade, mesmo em doses elevadas. Apesar de os autores considerarem um potencial risco de desenvolvimento de doença autoimune, uma vez que os TEIPP não são exclusivos do tumor, não foram observados efeitos colaterais neste trabalho. Uma das principais vantagens desta abordagem é que não seriam necessárias vacinas personalizadas para cada paciente, pois TEIPP aparentam ser comuns a vários tipos tumorais. Por fim, há necessidades de outros experimentos pré-clínicos que validem essa abordagem antes que ela possa ser proposta como vacina em ensaios clínicos. Os TEIPP, no entanto, vêm surgindo como foco de novas imunoterapias com potencial antitumoral.
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