- Por Eduardo Mannarino -
A imunoterapia surge como uma abordagem para combater o câncer de forma a utilizar componentes do sistema de defesa do próprio organismo. Dentro desse campo terapêutico, há uma abordagem mais precisa consistindo em modificar células T para expressarem um receptor quimérico de antígeno (CAR), o qual reconhece antígenos específicos expressos pelas células (CHICAYBAM et al., 2020). Essa técnica vem ganhando notoriedade pelo seu bom desempenho, incluindo para tumores como o de próstata (HAIYUAN et al., 2019).
Esta neoplasia, é o segundo tipo mais comum de neoplasia maligna entre homens tendo, no Brasil, uma estimativa de 65.840 novos casos, apenas em 2020, e uma mortalidade de 15.576 em 2018 (INCA, 2020). É um tumor sólido que possui alta produção e secreção de TGF-β, proteína que no contexto do câncer estimula a produção de novos vasos sanguíneos (para nutrir as células tumorais, sendo chamado esse processo de angiogênese), formação de metástases e supressão do sistema imunológico (BATLLE; MASSAGUÉ, 2019).
Apesar disso, um fator favorável à imunoterapia e exames de imagem, para este tipo de câncer, é a alta expressão do antígeno de membrana específico para próstata (PSMA), que serve como um marcador biológico e alvo terapêutico. Este, é um glutamato carboxipeptidase II, que é expresso em baixas quantidades em outras regiões específicas do corpo, possuindo uma função enzimática de gerar glutamato a partir de diferentes substratos. Todavia, sua função na próstata ainda não é bem compreendida (SLUSHER; ROJAS; COYLE, 2013).
Dessa forma, o artigo tratado traz uma nova abordagem no uso de receptores quiméricos de antígeno a fim de contornar um dos problemas enfrentados em tumores sólidos, como o câncer de próstata, que é a liberação de moléculas supressoras do sistema imunológico, nesse caso o TGF-β. Para isso, foram construídas células CAR-T anti-PSMA (Pbbz) e que expressassem um receptor dominante-negativo para o TGF-β (dnTGF-bRII), o qual não realiza a sinalização normal gerada pelo seu ligante. Assim, o grupo propõe que haveria um aumento no potencial de eliminação das células CAR-T frente a esse tipo de tumor, já que as células T modificadas não responderiam de forma convencional à sinalização do TGF-β.
Os primeiros resultados obtidos pelo grupo demonstram a eficiência desse modelo CAR-T, ao conseguirem uma lise das células tumorais (PC3-PSMA+) de, praticamente, 100%, similar ao grupo contendo apenas o CAR Pbbz. Entretanto, o diferencial observado para as células contendo o dnTGF-bRII, juntamente com o CAR Pbbz, é a alta proliferação destas na presença da linhagem tumoral, demonstrando um dos efeitos de não haver a supressão imunológica causada pelo TGF-β. Além disso, houve um aumento na secreção de interleucinas (IL-2,4,5 e 13) e de citocinas responsáveis por recrutar células da imunidade inata. Outra característica interessante foi a presença de células T com fenótipo de memória central. Isso demonstra uma resposta inicial e duradoura mais efetiva destes linfócitos frente ao tumor.
Este fato é corroborado ao realizarem uma análise proteica e gênica para verificar quais proteínas e genes estariam mais presentes e expressos num momento inicial e tardio de cultura com a linhagem tumoral. De início, há uma presença maior de proteínas e genes relacionados a fatores condizentes com uma resposta imune inicial, como liberação de citocinas e, mais tardiamente, proteínas e genes envolvendo ciclo de divisão celular, o que está alinhado com os fenômenos de persistência e alta proliferação. Assim, há mais indícios que a ausência de sinalização normal gerada pelo TGF-β é capaz de aumentar e sustentar as funções efetoras das células CAR-T Pbbz expressando o dnTGF-bRII.
A partir disso, analisar a ação dessas células in vivo é crucial para entender a dinâmica delas e, se nesse contexto mais complexo, seriam capazes de continuar apresentando esse potencial observado in vitro. Foram utilizados camundongos NSG, sendo observados a erradicação do tumor nos animais tratados com o CAR anti-PSMA dnTGF-bRII, após 27 dias do tratamento, e o mesmo efeito proliferativo, havendo mais células T com perfil CD4+. Entretanto, foram notadas também a perda de peso e sinais da doença do enxerto contra o hospedeiro, o que pode ser atribuído a uma xenoreatividade causada pela presença, por exemplo, do TCR e pela alta proliferação e persistência dessas células modificadas.
Além disso, a fim de determinar se a dose de tratamento influencia os efeitos observados, foi realizado um experimento com duas doses mais baixas que a anterior, sendo estas 0.5x10^6 e 2.5x10^6. Em ambos os grupos tratados com o CAR anti-PSMA dnTGF-bRII foram observados um controle do crescimento do tumor, apesar de que o grupo de menor dose apresentou uma recidiva posterior do tumor e o de maior dose conseguiu erradicar o tumor em 4 dos 5 animais tratados. Em ambas as doses há um maior número de células T no sangue periférico, concordando com os resultados anteriores. Isso demonstra que é uma características das células CAR-T modificadas, com a presença do dnTGF-bRII, possuírem um bom potencial citotóxico e alta proliferação. Entretanto, ainda foram notados os mesmo sinais de perda de peso, com uma posterior recuperação, e doença do enxerto contra o hospedeiro, o que seria um fator limitante.
Por fim, para entenderem melhor a proliferação acentuada e a eficácia antitumoral das células CAR dnTGF-bRII-Pbbz, os autores realizaram outro experimento in vivo, testando a mesma dose terapêutica de 5x10^6, aumentando apenas o número de animais por grupo (10) e o tempo de observação experimental. Os resultados analisados são semelhantes aos vistos anteriormente, com um maior potencial citotóxico por parte do grupo CAR Pbbz contendo o dnTGF-bRII, controle do tumor a longa prazo, perda de peso, sinais da doença do enxerto contra o hospedeiro e alta proliferação dos linfócitos T, com predominância da população CD4+. Além disso, notaram uma predominância de células CD8+ com perfil de memória central. O grupo também relata a ausência de marcadores de exaustão celular, o que condiz com a persistência das células CAR-T funcionais.
Assim, é demonstrado um aumento na eficiência do uso de células CAR-T, apesar de haver algumas limitações, como a doença do enxerto contra o hospedeiro, mesmo que possa se apresentar de forma leve, mas que pode ser evitado ao realizar um nocaute do TCR, como feito pelo grupo de Michel Sadelain em publicação recente (EYQUEM et al., 2017). Baseado nesses resultados, os autores informam que iniciaram um teste clínico com a infusão deste CAR dnTGF-bRII-Pbbz em humanos com câncer de próstata metastático resistente à castração.
Figura 1. Esquema referente ao resumo da técnica imunoterápica utilizada. Feita pelo próprio autor do presente texto.
Texto base
KLOSS, C. C. et al. Dominant-Negative TGF-β Receptor Enhances PSMA-Targeted Human CAR T Cell Proliferation And Augments Prostate Cancer Eradication. Molecular Therapy, v. 26, n. 7, p. 1855–1866, 2018
Outras referências citadas
BATLLE, E.; MASSAGUÉ, J. Transforming Growth Factor-β Signaling in Immunity and Cancer. Immunity, v. 50, n. 4, p. 924–940, 2019.
CHICAYBAM, L. et al. Overhauling car t cells to improve efficacy, safety and cost. Cancers, v. 12, n. 9, p. 1–26, 2020.
EYQUEM, J. et al. Targeting a CAR to the TRAC locus with CRISPR/Cas9 enhances tumour rejection. Nature, v. 543, n. 7643, p. 113–117, 22 mar. 2017.
HAIYUAN, Y. et al. CART cell therapy for prostate cancer: Status and promise. OncoTargets and Therapy, v. 12, p. 391–395, 2019.
INCA, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Tipos de Câncer: Câncer de próos-de-cancer/cancer-de-prostata>. Acesso em 17/01/stata. 2020. Disponível em < https://www.inca.gov.br/tip2020.
SLUSHER, B. S.; ROJAS, C.; COYLE, J. T. Glutamate Carboxypeptidase II. Handbook of Proteolytic Enzymes, v. 2, n. 2, p. 1620–1627, 2013.
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