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Foto do escritorLeonardo Ribeiro

Engenharia de neutrófilos CAR a partir de células tronco pluripotentes humanas na imunoterapia alvo

Por Manoela Bastos


Figura 1: Resumo gráfico do artigo. A figura mostra a inserção do CAR (receptor quimérico antigênico) em células tronco pluripotentes humanas através do sistema CRISPR-Cas9. As células são então quimicamente diferenciadas em neutrófilos, expressando assim o CAR em sua membrana. Os neutrófilos CAR são injetados por via intravenosa em um modelo de camundongo com glioblastoma in situ. Por fim, a figura resume que os referidos neutrófilos possuem atividade citotóxica tumoral (sinapse imunológica citotóxica), fazem fagocitose e liberam ROS (espécie reativas de oxigênio). A via de ativação intracelular de MAPK (a kinase ativada por mitógeno ativa ERK e transcreve genes de citotoxicidade) está envolvida na lise tumoral após o reconhecimento do antígeno do tumor pelo CAR (Chang Y et al, 2022).

Neutrófilos são os leucócitos mais abundantes na corrente sanguínea, são células da imunidade inata que tem como principal função fagocitar (englobar e degradar) e expelir o conteúdo de seus grânulos citotóxicos no combate a microrganismos. Eles são as primeiras células recrutadas para os sítios inflamatórios infecciosos e inflamatórios estéreis, como o câncer. Possuem vida curta, e expressam uma variedade de receptores em sua membrana, incluindo: Ly6G, CD11b, CD16, FCGR3B e CD66b.

Os receptores quiméricos de antígeno (CARs), são receptores de membrana construídos artificialmente através de engenharia genética. A sua principal aplicação é na imunoterapia alvo contra o câncer, onde os receptores CAR são inseridos em linfócitos T, que por sua vez reconhecem antígenos/alvos na célula tumoral, como por exemplo o CD19 em células B na leucemia linfoblástica aguda (Barros L et al, 2018). Até o presente momento, ainda não existe uma imunoterapia alvo com neutrófilos CAR para matar células tumorais disponível para uso clínico. A heterogeneidade, plasticidade (fenótipos de polarização resultantes de estados de ativação transcricional caracterizado pela expressão de um conjunto de genes, como por exemplo N1 e N2) tempo de vida curta, e dificuldades em isolamento e cultivo são alguns dos fatores que impedem o estabelecimento de uma produção padronizada de neutrófilos destinada à clínica. Neutrófilos são células da imunidade inata e linfócitos da imunidade adaptativa. Linfócitos apresentam receptores de reconhecimento de antígeno chamados TCR (receptor de células T) e BCR (receptor de células B), exclusivos das células da imunidade adaptativa (células T e B). Neutrófilos não apresentam receptores de reconhecimento de antígeno, entretanto, possuem uma variedade de receptores de superfície, tais como: receptores acoplados à proteína G (FPR1, BLT1, CXCR2), receptores Fc (FcγRIIIB, FcγRIV ,FcεRI) receptores de adesão (CD62L, CD162, LFA-1, CD11b/CD18) receptores de citocina (IL-6R, IL-15R, G-CSFR, IFNAR, Fas, RANK) e receptores da imunidade inata (NOD2, NLRP3, Mincle, Tolls 1-6, Toll 8 e 9) (Futosi K et al., 2013).

Neste artigo os autores produziram neutrófilos CAR contendo um constructo (CLTX-T-CAR) composto de clorotoxina, um peptídeo de 36 aminoácidos encontrado no veneno do escorpião caçador da morte (Leiurus quinquestriatus). A clorotoxina se liga preferencialmente às células de glioma (tumor cerebral), não havendo reatividade cruzada com células normais do cérebro (Cohen G et al, 2018). Uma vez que é difícil modificar geneticamente neutrófilos (possuem baixo conteúdo de RNA e enzimas que degradam RNA (RNases) dentre outros compostos inibidores, se ativam facilmente ao serem manipulados, são sensíveis à degradação após a coleta, caracterizando-os como células de manuseio instável). Os autores utilizaram um protocolo de diferenciação induzida por fatores protéicos solúveis (GM-CSF, IL-3, IL-6) de células tronco humanas pluripotentes, onde eles inseriram o CAR e depois diferenciam estas células para se tornarem neutrófilos. Mas como funciona?

Veja abaixo o constructo CAR (2ª geração) que obteve o melhor desempenho contra células de glioblastoma (tumor cerebral):




Figura 2: Esquema do constructo CLTX-T-CAR. O presente constructo CAR é composto por puromicina (PuroR, a seleção por puromicina mata as células que não contêm o gene/sequência de interesse, permitindo a identificação dos clones transformantes), citosina-adenina-guanina expandida (CAG), peptídeo sinalizador (SP), clorotoxina de domínio extracelular direcionada ao glioblastoma (CLTX), domínio Fc IgG4 (SmP), domínio transmembranar CD4-tm e domínio intracelular CD3z (cadeia zeta da glicoproteína de superfície de célula T CD3) (Chang Y et al, 2022).


Os autores sintetizaram e fizeram a inserção sítio-dirigida de 3 constructos CAR no locus (local específico que um gene ocupa no cromossomo) de integração do vírus adeno associado 1 (AAVS1) (conhecido como um sítio porto seguro, do inglês “safe harbor”, pois sua disrrupção não tem efeitos adversos na célula) nas células tronco humanas pluripotentes (hPSCs) através de edição gênica (recombinação homóloga via sistema CRISPR-Cas9) (Hayashi, H., 2020). Em seguida os autores observaram a capacidade destas hPSCs (diferenciadas em neutrófilos expressando os constructos CAR) em aumentar a morte do tumor mediada por neutrófilos. A figura acima mostra o constructo que apresentou melhor citotoxicidade antitumoral.

Os neutrófilos CLTX-T-CAR mataram as células de tumor cerebral (glioblastoma) ao se ligarem na metaloproteinase de matriz 2 associada a membrana (MMP2). Além disso, eles também inibiram o crescimento tumoral num modelo animal de xenoenxerto de glioblastoma in situ, bem como prolongaram a sobrevivência do animal.

Ficou curioso para saber como eles transformam células hPSCs em neutrófilos CAR+? Um pouquinho do protocolo para você: De uma forma ultra simplificada trata-se as células hPSCs derivadas em HSPCs (células-tronco/progenitoras hematopoiéticas) com GM-CSF (fator de crescimento de colônias de granulócitos macrófagos), IL-3 e IL-6. Depois, trata-se com G-CSF para diferenciar estes precursores em neutrófilos. Os autores definiram células no dia 15, com 6 dias de tratamento com G-CSF e AM580 (agonista seletivo de RARα), como a condição ótima para diferenciação de neutrófilos em 21 dias. Os neutrófilos obtidos apresentaram morfologia neutrofílica e a expressão dos marcadores CD16, CD11b, CD15, CD66b, CD18 e MPO (mieloperoxidase).

A mensagem do estudo, ou “take home message” é: Os autores definiram um protocolo para produção massiva de neutrófilos a partir de células tronco pluripotentes humanas (hPSCs). E, dentre os neutrófilos diferenciados com o constructo CAR, os neutrófilos CAR+ (ou CLTX-CAR) apresentaram atividade antitumoral (e também um fenótipo N1), além de serem capazes de infiltrar o tumor cerebral (atravessam a barreira hematoencefálica). Eles matam as células de tumor via MMP2, e poupam as células epiteliais e endoteliais saudáveis.

Nem tudo é preto e branco…

Como células do sistema imunológico, seria de se esperar que os neutrófilos lutassem para destruir as células de câncer. Entretanto, nem tudo é preto e branco, existindo subpopulações deste tipo celular que exibem diferentes “caras” ou fenótipos (perfil externo, neste caso marcadores de superfície e secreção de citocinas específicas). Os fenótipos mais estabelecidos na literatura para neutrófilos são chamados de N1 (antitumoral) e N2 (pró tumoral), você já deve ter ouvido falar em M1 (antitumoral) e M2 (pró tumoral) referentes ao macrófago, àquela outra célula do sistema imune inato (ligeiramente mais famosa que o neutrófilo). O princípio de divisão em fenótipos é o mesmo. Porém o espectro de fenótipos possui mais plasticidade do que uma lente preto e branca é capaz de enxergar, baseado em estados transcricionais advindos da expressão de determinado conjunto de genes, novos fenótipos são observados, tais como: proNeu1/2, preNeu, immNeu, mNeu, N6, N1, N2, N3, N4, N5 (Quail DF et al., 2022). Esses estados de ativação possuem atuação específica no contexto da doença, levando em consideração o tempo de doença, estágio do tumor, sexo e idade do paciente, ciclo circadiano, e fatores genéticos e ambientais. No que diz respeito a o contexto desfavorável vemos que uma razão de neutrófilos para linfócitos (NLR) alta no câncer de mama está relacionada com um desfecho desfavorável da doença, devido à supressão de respostas de células T antitumorais.


Figura 3: Heterogeneidade de marcadores neutrófilos humanos e murinos. Expressão de receptores de membrana CD (cluster de diferenciação), ligantes de quimiocina, fatores de transcrição, molécula de HLA (complexo de histocompatibilidade humano) e ligante do receptor de morte programada PD1 (PDL1) (Jaillon, S et al., 2020).


Cenas dos próximos capítulos:






Referências:

Chang Y, Syahirah R, Wang X, Jin G, Torregrosa-Allen S, Elzey BD, Hummel SN, Wang T, Li C, Lian X, Deng Q, Broxmeyer HE, Bao X. Engineering chimeric antigen receptor neutrophils from human pluripotent stem cells for targeted cancer immunotherapy. Cell Rep. 2022 Jul 19;40(3):111128. doi: 10.1016/j.celrep.2022.111128. PMID: 35858579; PMCID: PMC9327527.

Quail DF, Amulic B, Aziz M, Barnes BJ, Eruslanov E, Fridlender ZG, Goodridge HS, Granot Z, Hidalgo A, Huttenlocher A, Kaplan MJ, Malanchi I, Merghoub T, Meylan E, Mittal V, Pittet MJ, Rubio-Ponce A, Udalova IA, van den Berg TK, Wagner DD, Wang P, Zychlinsky A, de Visser KE, Egeblad M, Kubes P. Neutrophil phenotypes and functions in cancer: A consensus statement. J Exp Med. 2022 Jun 6;219(6):e20220011. doi: 10.1084/jem.20220011. Epub 2022 May 6. PMID: 35522219; PMCID: PMC9086501.

Barros L, Pretti MA, Chicaybam L, Abdo L, Boroni M, Bonamino MH. Immunological-based approaches for cancer therapy. Clinics (Sao Paulo). 2018 Aug 20;73(suppl 1):e429s. doi: 10.6061/clinics/2018/e429s. PMID: 30133560; PMCID: PMC6097086.

Cohen G, Burks SR, Frank JA. Chlorotoxin-A Multimodal Imaging Platform for Targeting Glioma Tumors. Toxins (Basel). 2018 Nov 26;10(12):496. doi: 10.3390/toxins10120496. PMID: 30486274; PMCID: PMC6316809.

Futosi K, Fodor S, Mócsai A. Neutrophil cell surface receptors and their intracellular signal transduction pathways. Int Immunopharmacol. 2013 Nov;17(3):638-50. doi: 10.1016/j.intimp.2013.06.034. Epub 2013 Aug 30. PMID: 23994464; PMCID: PMC3827506.

Hayashi, H., Kubo, Y., Izumida, M. et al. Efficient viral delivery of Cas9 into human safe harbor. Sci Rep 10, 21474 (2020). https://doi.org/10.1038/s41598-020-78450-8

Jaillon, S., Ponzetta, A., Di Mitri, D. et al. Neutrophil diversity and plasticity in tumour progression and therapy. Nat Rev Cancer 20, 485–503 (2020). https://doi.org/10.1038/s41568-020-0281-y

10XGenomics, Can I process neutrophils (or other granulocytes) using 10x Single Cell applications? Acesso em 26 de Junho de 2023 https://kb.10xgenomics.com/hc/en-us/articles/360004024032-Can-I-process-neutrophils-or-other-granulocytes-using-10x-Single-Cell-applications-



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